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Dias Perfeitos - o filme


Assistir ao filme “Dias Perfeitos” é ter uma experiência ao lado do protagonista. O diretor Win Wenders coloca uma moldura na rotina de um japonês que vive em Tóquio e nos leva a compartilhar sua vida simples. O enredo é praticamente silencioso e nos faz ter reações adversas. Por exemplo, cheguei a ver o filme em três partes em função do sono que senti, pois fui embalada pelo relaxamento que o ritmo e as imagens me causaram. Em vários momentos, me identifiquei com o personagem, pelas pausas no dia a dia para apreciar a beleza do céu, das árvores, da música e da poesia. E em vários outros, pude brincar de “viver” uma realidade bem diferente da minha, a começar pelo futon onde ele dorme.


Durante todo o filme, luz e sombra se contrastam, e em um dado momento tem até um pega-pega entre as sombras do protagonista e mais um personagem. Porém, outro contraste foi que acendeu em mim reflexões. Hirayama, o personagem principal, limpa banheiros públicos na cidade de Tóquio, e faz disso algo mais sublime pela forma com que ele executa suas tarefas. Ele mesmo se equipou com vários produtos e instrumentos que lhe permitem fazer o serviço muito bem-feito, usando inclusive um espelhinho para checar a limpeza de áreas onde os olhos não alcançam. Além disso, ele não apresenta nenhum tipo de julgamento do estado dos banheiros ou dos usuários que ele encontra no meio do caminho. Há ainda outros aspectos que me saltaram aos olhos: ele não julga a si próprio por estar ali e executa como se fosse a tarefa mais importante a ser feita. Com presença. Com atenção. Com dedicação. Destaco também a rotina e a atitude de Hirayama. Ele intercala suas atividades, mantendo sempre o seu olhar atento. Seu serviço diz respeito à limpeza dos excrementos de cidadãos desconhecidos de uma grande cidade, e ao longo do dia, ele aprecia aspectos singelos, e dirige o seu olhar também para o alto, indicando que ele se lembra o tempo todo de uma beleza subjetiva, sagrada, algo bem além do dia a dia barulhento em uma cidade.


Há alguns dias, assisti à live do Gilberto Safra que comentava esse filme e aspectos da sacralidade do instante. Ouvi expressões interessantes, como contemplação amorosa e a comum claustrofobia existencial de hoje em dia. Não pude deixar de pensar no processo de abertura que algumas pessoas adotam diante da vida delas e outras que resistem tanto. De imediato, penso na minha profissão, quando chega um novo paciente aberto para olhar mais profundamente para a sua vida, pois está cansado de tanto sofrimento. Penso também numa criança curiosa, disposta a explorar a sua realidade e a conhecer o mundo a sua volta. E me lembro de tantas outras pessoas, que por motivos diversos evitam se abrir para novas experiências ou até mesmo para novos conhecimentos.


Tenho para mim que vida é movimento, e não apenas aquele visando ganhos ou reconhecimentos, mas de um tipo que deixa a pessoa aberta e disponível para o mundo, ao invés de resistente ou com medo de tudo que chega. Atrelo essa ideia com a figura do Hirayama e da sua postura diante da vida. Por mais banal que seja a sua rotina aos nossos olhos, ele está aberto para as nuances que ela apresenta, vivendo-as com presença e com certa alegria. Aliás, a sua abertura é a mesma, inclusive diante das variantes cinzas da vida, que fazem parte da vida de qualquer um de nós.

 
 
 

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