Rita Lee, a escrita e o piano
- Johanna Homann
- 6 de jun. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de jul. de 2024

De vez em quando, a gente para e pensa em coisas que fazemos quase que automática e mecanicamente e por que paramos para pensar, ela deixa de ser fluida. Sei que artistas enfrentam pausas na sua criação, e eu longe de ser uma artista, tive recentemente meu tempo para pensar sobre a minha escrita. E, obviamente, ela se assustou, não eu, mas a escrita, e logo, logo se escondeu de mim. Com medo de assustá-la ainda mais, fiquei quietinha, sem movimentos bruscos ou busca desenfreada das possíveis causas. Tinha esperança de que um dia ela voltaria.
Enquanto isso, ia me aventurando em novas leituras. Interessante é que mesmo tendo a prateleira de livros me esperando, de vez em quando me pego na sem-vergonhice de achar que estou sem nada para ler. Acontece que um domingo se fez comprido, com chuva e sem compromissos, e o jeito foi escolher o mais simpático dos livros para me fazer companhia. Peguei a “Outra autobiografia” de Rita Lee que havia sido indicação de uma amiga, mesmo sem ter lido a primeira biografia da autora. Sem grande simpatia pela artista, convidei-a para se sentar e lá fomos nós duas para um bate-papo na leitura. O tema não era simples. Era sobre o fim da vida dela e o tratamento de um câncer no pulmão. Não estou adiantando o final, pois a abertura já veio com esse tapa na cara. Mas, entre a dureza da realidade que ela me apresentou, pude ver sua familiaridade com a nossa amiga em comum, a escrita, descrevendo dores e fatos daquele período da sua vida. Ver os bastidores da doença e o envelhecimento de uma artista teve algo curioso para mim: foi o ruir do palco e o reconhecimento da mulher, que assim como eu, estava enfrentando a fragilidade da vida, no meu caso através da velhice da minha mãe.
No meio de tanta dor, de esvaziamento, enfraquecimento eu vi que Rita tinha também a companhia da escrita. Era meio que a confidente, a boia salva-vidas dela, além de lhe oferecer uma certa esperança na vida.
Já lendo deitada no sofá, a leitura começou a embalar uma cochilada preguiçosa e dali mesmo, fui sonhando um novo lugar para a minha escrita. Uma brisa fresca foi passando pela janela, e uma manta foi desdobrada para fazer parte daquela reunião.
Por que eu penso em ensinamentos quando escrevo? A escrita, não a que publico, mas a que uso para mim mesma, geralmente tinha esse lado de organizar as ideias e me confortar. Mas cansei. Cansei dela nesse lugar. Quero menos mãe, menos conselho e mais vida, mais experiência. E, coitada da escrita, tantos anos conversando comigo de cima para baixo. Rebelei-me e a tirei desse lugar confortável, da mesma forma quando um adolescente desbanca o lugar todo-poderoso dos pais.
No dia seguinte, trocando figurinhas com uma amiga pelo telefone, troquei essas minhas impressões sobre a escrita. Entre outros assuntos que surgiram, falamos do teclado da minha filha, que estava sem uso na minha casa. Ela, por sua vez, confessou que havia se desgastado um pouco com o violão. A relação com ele estava cruel e injusta. Depois de anos de dedicação, ela concluiu que estava difícil lidar com ele sempre de costas para ela. Ela queria algo mais próximo, mais aberto e estava disposta a se expor a uma nova relação, agora com um teclado. Enquanto ela tecia suas palavras com os instrumentos, eu olhava para a minha escrita e era o mesmo que sentia. Eu não queria mais uma mãe distante, um pouco do tipo curta e grossa e sim uma amiga de prosa mais leve, fluida e cheia de trocas. Assim como a minha amiga, que se cansou da sua relação com o violão de costas e se interessou pelo teclado, para poder olhá-lo de frente, de cima e por inteiro, eu também estava aberta para experimentar um novo lugar para a minha escrita.
Fui acordando da pausa, e arrisquei abrir o meu computador e fazer uma resenha do livro da Rita Lee.
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